As falhas e as zonas de
cisalhamento são estruturas próximas entre si. Tanto umas como outras são
estruturas de deformação localizada, envolvem deslocamento paralelo às paredes
e tendem a crescer em espessura e comprimento em função do acúmulo de
deslocamento.
Para Fossen (2012), uma zona de cisalhamento é uma zona tabular
onde a deformação é notavelmente maior que a deformação nas rochas ao seu
redor. Essa definição não faz restrição aos mecanismos de deformação em
microescala. Assim, uma zona de cisalhamento pode conter alguns elementos (grãos
minerais, lentes, camadas) que se deformam de modo plástico e outros que se
deformam de modo rúptil simultaneamente, ou todo o conjunto pode deformar-se de
modo plástico ou rúptil. Os mecanismos de deformação dependem da temperatura,
pressão reações metamórficas, cimentação, taxa de deformação e quantidade de
fluidos disponíveis, além da distribuição dos minerais e de suas propriedades
ao longo da zona.
No regime predominantemente
rúptil da crosta superior, os mecanismos de deformação rúptil são dominantes e,
portanto, a deformação é caracterizada por fluxo cataclástico, envolvendo
microfraturamento, deslizamento friccional em limites de grãos e rotação rígida
de fragmentos de grãos. Em areia e em arenito pouco cimentado em níveis
crustais rasos, as zonas de cisalhamento podem desenvolver-se por fluxo
granular, que envolve reorganização friccional de grãos sem que estes se
fraturem. Enquanto essa deformação ocorrer em uma zona de espessura finita, é
possível classificar tal zona como uma zona de cisalhamento, ou como banda de
deformação por cisalhamento, se ocorrer em amostra de mão. As zonas de
cisalhamento formadas predominantemente por mecanismos de deformação rúptil são
denominadas zonas de cisalhamento rúptil
ou zonas de cisalhamento friccional.
Falhas mais bem desenvolvidas, com núcleos e zonas de dano, podem ser
consideradas como membros extremos do espectro de variação das zonas de
cisalhamento. Entretanto, a maioria dos geólogos prefere o termo falha ou
núcleo de falha para se referir a descontinuidades rúpteis que cortam de modo
abrupto os maciços rochosos.
Em níveis crustais mais
profundos, no regime plástico, os mecanismos de deformação plástica passam a
ter maior efeito. Se houver predomínio de mecanismos de deformação plástica,
formam-se zonas de cisalhamento dúctil ou
zonas de cisalhamento plástico. Na
zona de transição rúptil-dúctil, que pode abranger um amplo intervalo de
profundidade, formam-se as zonas de
cisalhamento rúptil-dúctil. A maioria das zonas de cisalhamento dúctil
contém elementos rúpteis, como porfiroclastos fraturados de feldspato ou
granada, a menos que a temperatura seja muito alta.
A figura acima é um modelo
simplificado, segundo Fossen (2012), da conexão entre as falhas, que
normalmente se formam na crosta superior, e as zonas de cisalhamento dúctil. A
transição é gradual e denominada transição rúptil-plástica. Sua profundidade
depende do gradiente térmico e da composição mineralógica da crosta. Em rochas
graníticas, essa profundidade normalmente é de 10 a 15 km.
Fossen (2012) questiona o
uso do termo zona de cisalhamento dúctil, considerando-o ambíguo, porque
ductilidade e plasticidade não são sinônimos. Uma zona de cisalhamento dúctil
poderia ser formada por mecanismos de deformação rúptil em microescala; sendo
assim, este autor prefere o termo zona
de cisalhamento plástico, para as deformações em regime plástico.
Arthaud (1998) usa o termo
zonas de cisalhamento dúctil (ZCD), considerando-as como equivalentes profundos
das falhas, das quais, em muitos casos, elas constituiriam o prolongamento
natural. A principal diferença é que, nas zonas de cisalhamento dúctil, o
deslocamento relativo dos blocos não acontece ao longo de um plano de ruptura,
mas de uma faixa, mais ou menos estreita, deformada plasticamente.
Para Arthaud (1998), uma ZCD
é uma faixa estreita de rochas, deformada de maneira plástica, onde o mecanismo
principal da deformação é o cisalhamento simples (rotacional, não coaxial e com
esforços paralelos à área do corpo), em regime de deformação plana (estiramento
em uma das direções, encurtamento em outra direção, terceira direção sem
deformação), separando dois compartimentos menos deformados e que apresentam um
deslocamento relativo.
A figura abaixo mostra uma
zona de cisalhamento ideal deformando uma malha com dois planos marcadores e
marcadores circulas. Note que os quadrados da malha e os marcadores planos
mudam de atitude e de espessura ao longa da zona. A deformação é máxima na
parte central da zona de cisalhamento (FOSSEN, 2012).
As ZCD podem ser observadas
em qualquer escala, do milímetro à escala continental, com rejeitos extremamente
variáveis, podendo atingir centenas de quilômetros. Existem zonas de
cisalhamento em regime extensional, compressional e transcorrente.
As terminologias adotadas
são as mesmas das falhas (por exemplo: zona de cisalhamento dúctil
transcorrente dextral normal, zona de cisalhamento dúctil com separação normal
etc.). A nomenclatura dos rejeitos é
também idêntica à das falhas.
As ZCD variam de milímetros a centenas de quilômetros |
Embora a deformação na zona
de cisalhamento possa ser homogênea, não é geralmente o caso e é possível
observar uma gradação da deformação do domínio menos deformado até o domínio
mais deformado.
Variação da deformação nas ZCD |
A distribuição da deformação
é geralmente heterogênea: alternam-se faixas com intensidades de deformação
extremamente variáveis, às vezes de maneira brusca.
Resumo
das principais características das ZCD
•
São zonas tabulares de deformação da
crosta.
•
Ocorrem em todas as escalas, desde a
milimétrica até aquela cortando toda a crosta e envolvendo centenas de
quilômetros de desligamento.
•
Como as falhas, tendem a envolver grande
quantidade de movimentos paralelos ao plano de cisalhamento (cisalhamento
simples), mas também podem ser influenciadas por outros tipos de deformação.
•
As ZCD de acentuada deformação plástica
desenvolvem feição milonítica.
•
Também como as falhas, podem ser reversas,
normais, transcorrentes ou mostrarem desligamentos oblíquos.
•
Tendem a exibir mergulhos menores que as
falhas (exceto as transcorrentes).
Feições
características das ZCD
A foliação é a feição
fundamental das zonas de cisalhamento dúctil, conseqüência principalmente da
plasticidade cristalina e da rotação de minerais. A foliação na ZCD não difere,
basicamente, da xistosidade desenvolvida na maior parte das rochas metamórficas
deformadas.
A intensidade da deformação,
às vezes muito elevada nestas zonas, pode provocar uma recristalização dinâmica
importante, levando a uma drástica redução do tamanho dos grãos. Esta
xistosidade é, às vezes, chamada de foliação milonítica.
Quanto mais intensa a
deformação, mais o plano de foliação (S) se aproxima do plano de cisalhamento C
(quando a deformação é pouco intensa, a foliação, pouco visível, forma um
ângulo de cerca de 35/40º com C).
As lineações de
estiramento são uma das feições mais características das zonas de
cisalhamento dúctil. A deformação é geralmente plana, gerando planos lineares
(tectonitos L/S). O estiramento pode ser extremamente importante, registrado na
forma de lineações minerais e de alongamento.
O plano C, ou plano de
cisalhamento, geralmente não é materializado, a não ser nos domínios de maior
intensidade da deformação onde a foliação passa a ser paralela à ZCD, conforme
se observa na figura abaixo.
Em certos casos, como na foto
abaixo, quando a deformação é intensa e nos domínios onde o ângulo entre S e C
está em torno de 10 a 15º, podem aparecer pequenos planos de cisalhamento
paralelos ao plano C.
Nas ZCD, as dobras são frequentes, mas não
necessárias e nem rítmicas. De maneira geral, apresentam tendência em ter seus
eixos paralelos ao eixo X do elipsóide de deformação, fato evidenciado pelo
paralelismo frequente dos eixos de dobras e da lineação de estiramento.
Em outros casos, apresentam
eixos curvos ou mesmo uma forma cônica (dobras
em bainha).
A progressão da deformação
faz com que as dobras, que representam uma heterogeneidade dificultando a
deformação global da ZCD, tendem a serem recortadas pela própria evolução da
xistosidade, conforme se pode observar nas imagens seguintes, sobrando
apenas charneiras intrafoliais ou sendo totalmente eliminadas.
Nas ZCD que apresentam
deformação extremamente elevada, as dobras são raras ou mesmo ausentes.
Esquema
das principais feições nas ZCD
Rochas
Metamórficas nas ZCD
Nas zonas de falha, o trituramento de fragmentos da rocha
encaixante pode levar, por processos rúpteis, a uma forte redução generalizada
de granulação e a formação de rochas características, as rochas cataclásticas.
No caso da zona de
cisalhamento, a redução da granulação é
decorrente principalmente de processos dúcteis, em particular a
recristalização dinâmica (concomitante com o processo de deformação), e se
processa não às custas de fragmentos de rochas, mas sim de minerais. Esses
processos levam à formação de rochas mais ou menos finas onde alguns restos
arredondados de minerais (às vezes chamados de clastos, apesar do processo
deformacional diferente) flutuam numa matriz fina foliada.
Metamorfismo
dinâmico (cataclástico) - este tipo de metamorfismo é
caracterizado por pressão elevada e temperaturas que podem variar de baixas a
altas. Está associado a zonas de falhas ou cisalhamentos, onde blocos crustais
são pressionados uns contra os outros. A área de abrangência deste tipo de
metamorfismo é função direta da intensidade do falhamento, podendo afetar
rochas de composição e origem distintas. Tipos de rochas formadas nas ZCD: milonitos.
Milonito é
uma rocha metamórfica bandeada ou laminada na qual a textura original da rocha-mãe
é destruída por intenso cisalhamento dentro de uma zona falha. O termo milonito, de acordo
com Fossen (2012), é aplicado atualmente a rochas fortemente deformadas, que
passaram por redução de sua granulação em decorrência de deformação plástica,
ao passo que o termo cataclasito é usado quando o fluxo cataclástico é
dominante. A catáclase pode ocorrer durante a milonitização, se o feldspato for
fragmentado em uma matriz onde o quartzo foi plasticamente deformado, por
exemplo.
Foliação milonítica definida pela forte recristalização de quartzo e feldspato de granitos deformados (a) da Faixa Sergipana e (b) do oeste Australiano. |
Os milonitos são separados
em três subgrupos, dependendo de quanto da matriz original permanecer intacta
(não recristalizada):
- protomilonito: <50%
matriz (cristais neoformados);
- milonito: 50% a 90%
matriz;
- ultramilonito: >90%
matriz (cristais neoformados).
Rochas
nas ZCD, em profundidade
Este
texto foi extraído de:
ARTHAUD, M. Elementos de geologia estrutural. Fortaleza,
1998.
CARNEIRO, Celso dal Ré et al. Tipos de folilação.
DGAE/IG/UNICAMP. Obtido em: http://www.ige.unicamp.br/site/aulas/87/FOLIACOES.pdf.
FOSSEN, H. Geologia Estrutural; trad. Fábio R. D. de
Andrade. São Paulo : Oficina de Textos, 2012.
Geologia Estrutural. Deformação: conceitos básicos.
Obtido em: http://www3.ufpa.br/larhima/Material_Didatico/Graduacao/Geologia_Estrutural/Capitulo_2_2007.pdf.
UNESP. Rochas metamórficas. Acesso: http://www.rc.unesp.br/museudpm/rochas/metamorficas/metamorficas1.html.
TEIXEIRA, W.; TOLEDO, M. C. M. de; FAIRCHILD, T. R.;
TAIOLI, F. (Orgs.) Decifrando a Terra. São Paulo: Oficina de
Textos, 2000.
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