Quebra Pedras

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quarta-feira, 4 de agosto de 2021

MARES LEITOSOS

 

Satélites localizam os estranhos ‘mares leitosos’ em oceanos da Terra

Fenômeno bioluminescente surge como brilho duradouro, generalizado e uniforme na superfície do oceano que pode persistir por várias noites e ocupar mais de 100 mil km2

30/07/2021
Comparação de fotos tiradas por instrumentos de satélite mais antigos (à esquerda) com imagens do novo instrumento Day/Night Band (DNB) (à direita). Crédito: Colorado State University
Usando quase uma década de dados de satélite, pesquisadores da Universidade Estadual do Colorado (EUA) descobriram “mares leitosos” de uma forma nunca vista antes. Esse fenômeno bioluminescente oceânico raro e fascinante detectado por um sensor espacial altamente sensível de baixa luz. O estudo foi publicado na revista Scientific Reports.Os mares leitosos são uma exibição rara e indescritível de bioluminescência oceânica da Terra, e a maior forma conhecida em nosso planeta. Distintos da espuma turbulenta criada por esteiras de navios, os mares leitosos alcançam um brilho duradouro, generalizado e uniforme na superfície do oceano que pode persistir por várias noites e se estender por mais de 100 mil quilômetros quadrados – mais do que o estado de Pernambuco.

Os marinheiros experimentam essas condições extraordinárias apenas em certas áreas remotas do mundo. Elas estão principalmente no noroeste do Oceano Índico, ao largo da costa do Chifre da África e nas águas ao redor da Indonésia. Prever quando, onde e por que os mares leitosos se formam permanece um mistério científico moderno.

As luzes de cidades de Java (Indonésia) contrastam com uma grande mancha de ‘mares leitosos’ nesta imagem do sensor Day/Night Band. A área da superfície brilhante do mar aqui é maior do que 100.000 quilômetros quadrados. Crédito: Colorado State University
Brilho misterioso

Descrições surreais do lendário “mar leitoso”, que testemunhas dizem que brilha tão forte quanto um campo de neve ou um leito de nuvens, foram compartilhadas entre os marinheiros ao longo da história, disse Steve Miller, novo diretor do Cooperative Institute for Research in the Atmosphere (Cira, parceria entre a Universidade Estadual do Colorado e a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA, Noaa) e autor principal do artigo. Essas histórias encontraram seu caminho em romances de aventura marítima como Moby Dick e Vinte Mil Léguas Submarinas, tomando seu lugar no folclore, mas não tanto na observação científica.0 registros que datam do século 19, apenas uma vez, em 1985, um navio de pesquisa navegou por um mar leitoso. A amostra de água coletada na época sugeria uma cepa de bactérias luminosas, colonizando uma proliferação de algas na superfície da água e, assim, criando o brilho. Algumas das características dos mares leitosos, no entanto, não são adequadamente explicadas por essa hipótese – especialmente em face de relatos de testemunhas oculares.

Mudança das luzes das cidades
Apoiados por novas observações do espaço, os pesquisadores agora estão posicionados para entender muito mais sobre as circunstâncias desse fenômeno fascinante. De muito acima dos oceanos do mundo, os satélites Suomi NPP e Noaa-20 coletam imagens usando um sofisticado conjunto de sensores, incluindo o instrumento “Day/Night Band”. O Day/Night Band detecta quantidades muito fracas de luz visível à noite e perscruta a escuridão para revelar o brilho das luzes da cidade, as chamas dos incêndios florestais e muito mais – incluindo, agora, a capacidade de ver mares leitosos.

No Cooperative Institute for Research in the Atmosphere, os pesquisadores estão constantemente analisando dados de satélite, incluindo observações do Day/Night Band. A pesquisa do Cira usando esse instrumento teve como objetivo a mudança das luzes das cidades para demonstrar como a pandemia de covid-19 impactou a atividade humana. Os pesquisadores também o usaram para descobrir um novo fenômeno de brilho noturno na atmosfera da Terra.

“O Day/Night Band continua a me surpreender com sua capacidade de revelar características claras da noite. Como o capitão Ahab de Moby Dick, a busca por esses mares leitosos bioluminescentes tem sido minha ‘baleia branca’ pessoal por muitos anos”, disse Miller.

Pegando a luz

Ao analisar cuidadosamente as observações do Day/Night Band em três locais onde mares leitosos são frequentemente relatados, Miller e sua equipe localizaram 12 ocorrências desse fenômeno indescritível entre 2012 e 2021.

Capturar a luz criada por mares leitosos requer paciência – e as condições certas. Mesmo o luar fraco refletindo na superfície do oceano pode mascarar o sinal. A luz emitida pela atmosfera superior brilhante, tanto diretamente para cima quanto refletida pelas nuvens, pode igualmente contaminar as observações. Os pesquisadores analisaram cuidadosamente os sinais nos dados do satélite para descartar outras fontes de emissão de luz e usaram técnicas sofisticadas para encontrar as estruturas bioluminescentes persistentes que emitem luz além do ruído de fundo.

Aparecendo como uma mancha brilhante persistente no oceano à noite, esses corpos brilhantes de água se movem com as correntes oceânicas. Desaparecendo de vista durante o dia – devido à enorme quantidade de luz do Sol em comparação com o brilho fraco do oceano –, essas manchas tornam-se visíveis novamente para o satélite à noite.

Novas hipóteses

O acoplamento das observações de satélite com medidas de temperatura da superfície do mar, biomassa marinha e as correntes da superfície do mar analisadas levaram os autores a propor novas hipóteses para as condições únicas que cercam a formação do mar leitoso.

“Mares leitosos são simplesmente expressões maravilhosas de nossa biosfera, cujo significado na natureza ainda não compreendemos”, disse Miller. “O próprio corpo deles gira em torno de uma história improvável e convincente que liga a superfície aos céus, o microscópico às escalas globais e a experiência humana e a tecnologia ao longo dos tempos; de navios mercantes do século 18 às naves espaciais dos dias modernos. O Day/Night Band iluminou mais um caminho para a descoberta científica.”

Artigo publicado em: REVISTA PLANETA. Satélites localizam os estranhos ‘mares leitosos’ em oceanos da Terra - Planeta (revistaplaneta.com.br)


terça-feira, 20 de julho de 2021

NOVO PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS CONTINENTES

De acordo com um estudo internacional liderado por geólogos da Monash University, uma mudança fundamental na natureza há 3,75 bilhões de anos facilitou a formação atual e estável da crosta dos continentes da Terra. A pesquisa foi publicada na Nature Communications.

A Terra se formou há 4,5 bilhões de anos, no entanto, as partes mais antigas da crosta que formam os continentes do planeta datam de 4 a 3,6 bilhões de anos, o que sugere que elas, apesar de antigas, demoraram um pouco mais para conseguir se formar. E foi para responder essa questão que os pesquisadores instituíram o estudo.Estudo indica revela novos processos na formação dos continentes da Terra. Imagem: DBHAVSAR/Shutterstock

Estudo indica revela novos processos na formação dos continentes da Terra.
Imagem: DBHAVSAR/Shutterstock

Segundo o tabloide científico PHYS.ORG, para entender o processo, a equipe analisou grãos microscópicos de 4,2 a 3,2 bilhões de anos do mineral zircão do Cráton Yilgarn – craton que constitui a maior parte da massa terrestre da Austrália Ocidental.

A crosta pode se formar por meio de dois processos diferentes: a fusão da crosta pré-existente ou a fusão recente do manto subjacente da Terra. A composição isotópica do háfnio dos grãos de zircão pode acompanhar os dois processos.

“Os novos dados que coletamos mostram uma mudança dramática na composição isotópica do háfnio dos zircões do Craton de Yilgarn 3,75 bilhões de anos atrás”, disse o principal autor do estudo, Dr. Jack Mulder, pesquisador do grupo Escola da Terra, Atmosfera e Meio Ambiente da Monash University.“Os zircões mais antigos se formaram em magmas que foram derivados apenas por meio do derretimento da crosta mais velha. Há 3,75 bilhões, magmas contendo zircão começaram a ser originados, pelo menos em parte, do manto da Terra”, explicou o cientista, sugerindo que a formação do continente acabou acontecendo por uma coincidência a partir do momento que os zircões começaram a ser originados apenas de um processo, usando o manto subjacente da Terra.                                                                                                                                                                                                                                                      “É importante ressaltar que a mudança de isótopo registrada nas cápsulas do tempo do zircão coincide precisamente com a época em que se formou a crosta mais antiga preservada no atual Cráton Yilgarn”, acrescentou.                          Para a equipe, a coincidência é atribuída a uma relação causal simples: quando o magma é extraído do manto da Terra, o resíduo profundo que sustenta a crosta é seco, rígido e, mais importante, flutuante.

“Essas quilhas flutuantes de manto residual empobrecido pelo derretimento podem ter servido como ‘jangadas salva-vidas’ que protegeram os novos e mais antigos continentes de mergulhar de volta nas profundezas da Terra”, disse Mulder.

“Esses resultados destacam uma mudança fundamental na natureza da formação da crosta 3,75 bilhões de anos atrás, que facilitou a formação da crosta continental única e estável da Terra”, finalizou o pesquisador.

Em suma, de acordo com o estudo, os continentes que cresceram em torno desses antigos núcleos de crostas influenciaram o clima, a atmosfera e a química dos oceanos, possibilitando o começo da vida.

Publicado em Olhar Digital - https://olhardigital.com.br/2021/06/11/ciencia-e-espaco/estudo-revela-novo-processo-na-formacao-dos-continentes-da-terra/


segunda-feira, 19 de julho de 2021

NOVOS FÓSSEIS AJUDAM A ESCREVER A HISTÓRIA DA VIDA NA TERRA

 

  • REDAÇÃO GALILEU
 ATUALIZADO EM 
Chuandianella ovata, um crustáceo extinto semelhante ao camarão (Foto: Xianfeng Yang, Yunnan Key Laboratory for Palaeobiology, Yunnan University)

Chuandianella ovata, um crustáceo extinto semelhante ao camarão (Foto: Xianfeng Yang, Yunnan Key Laboratory for Palaeobiology, Yunnan University)

Localizado próximo à cidade chinesa de Kunming, o “berçário” de cerca de 518 milhões de anos abriga organismos ancestrais de todos esses seres — dos terrestres aos marinhos. Denominado Haiyan Lagerstätte, o depósito é, até o momento, o mais antigo e diverso já encontrado no mundo.

Das 2.846 espécimes mapeadas pelos cientistas no local, mais de 50% estão nos estágios de desenvolvimento larval e juvenil. Os organismos estão tão preservados que, segundo a equipe, revelam partes do corpo desses ancestrais nunca antes vistas.

"É incrível ver todos esses juvenis em um depósito fóssil", comemora, em comunicado, Julien Kimmig, gerente de coleções do Museu e Galeria de Arte de Ciências da Terra e Minerais, da Universidade Estadual da Pensilvânia. "Fósseis juvenis são algo que dificilmente vemos, especialmente de invertebrados de corpo mole”, observa o paleontólogo.

Os pesquisadores já conseguiram identificar 118 espécies no lagerstätte — como, na paleontologia, são chamados os depósitos sedimentares que apresentam fósseis em estado excepcionalmente preservado. Destas, 17 são inéditas. Além de ancestrais de insetos e crustáceos modernos, vermes, trilobitas (atrópodes do Paleozóico), algas, esponjas e vertebrados, também foram encontrados ovos e uma abundância de fósseis juvenis raros com apêndices ainda intactos e tecidos moles internos visíveis.

Abrigo contra predadores

Todos os organismos estão concentrados nas camadas mais inferiores do depósito, com porções subsequentes contendo diversas espécies, mas não na extensão da faixa mais baixa. Para a equipe, esses intervalos podem representar períodos de expansão e contração da comunidade marinha: enquanto algumas espécies teriam vindo para a área em busca de proteção contra fortes correntes oceânicas — uma vez que, na época, o depósito estava localizado em águas mais profundas, em direção ao Golfo de Kunming —, uma mudança nos níveis de oxigênio ou eventos de tempestade podem ter causado um fluxo de sedimentos que enterrou muitas delas, provocando extinções.

Acima, um dos organismos preservados no depósito fóssil chinês: o Maotianshania cylindrica, um verme priapulídeo (Foto: Xianfeng Yang, Yunnan Key Laboratory for Palaeobiology, Yunnan University)

Acima, um dos organismos preservados no depósito fóssil chinês: o Maotianshania cylindrica, um verme priapulídeo (Foto: Xianfeng Yang, Yunnan Key Laboratory for Palaeobiology, Yunnan University)

Aos animais juvenis, o depósito também pode ter servido de abrigo contra predadores — o que faria dele um paleonursery (antigo berçário de animais juvenis extintos). "Será que esses vermeságuas-vivas e insetos desenvolveram algo tão sofisticado como um paleonursery para criar seus filhotes? Seja qual for o caso, é fascinante ser capaz de comparar esse comportamento ao dos animais modernos", avalia, em nota, Sara Kimmig, diretora do Laboratório de Isótopos e Metais no Meio Ambiente da Universidade Estadual da Pensilvânia.

A partir de análises geoquímicas do depósito, os cientistas também planejam recriar o meio ambiente e o clima que marcou o período em que a estutura foi sedimentada. Os fósseis permitirão ao grupo estudar como os animais se comportavam no período geológico cambriano, um pouco mais quente do que hoje. 

Com o material, também será possível analisar como as diferentes partes do corpo desses organismos mudaram ao longo do tempo e de que maneira esses animais lançaram as bases para a vida na terra e no mar de seus sucessores. "Veremos se a forma como se desenvolvem hoje é semelhante a como se desenvolveram há 500 milhões de anos, ou se algo mudou ao longo do tempo", antecipa Julien Kiming.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Acúmulo de Mercúrio no Oceano Pacífico

 

Cientistas alertam sobre o acúmulo sem precedentes de mercúrio no Oceano Pacífico

Um artigo científico recém-lançado na Scientific Reports revelou que quantidades sem precedentes de mercúrio altamente tóxico são depositadas nas trincheiras mais profundas do Oceano Pacífico.

Uma equipe multinacional de cientistas descobriu quantidades de mercúrio nas trincheiras mais profundas do Oceano Pacífico que excedem qualquer valor já registrado em sedimentos marinhos remotos – até mais do que muitas áreas diretamente contaminadas por liberações industriais.

O estudo, um esforço multinacional envolvendo cientistas da Dinamarca, Canadá, Alemanha e Japão, relata as primeiras medições diretas da deposição de mercúrio em um dos ambientes logisticamente mais desafiadores de amostrar na Terra, e o mais profundo em oito a 10 quilômetros sob o mar.

O autor principal, Professor Hamed Sanei, Diretor do Laboratório de Carbono Orgânico Litosférico (LOC) do Departamento de Geociências da Universidade de Aarhus, afirmou que a quantidade de mercúrio descoberta nesta área excede qualquer valor já registrado em sedimentos marinhos remotos, e é ainda maior do que muitos áreas diretamente contaminadas por lançamentos industriais.

“A má notícia é que esses altos níveis de mercúrio podem ser representativos do aumento coletivo das emissões antropogênicas de Hg em nossos oceanos”, disse ele. “Mas a boa notícia é que as trincheiras oceânicas atuam como um depósito permanente e, portanto, podemos esperar que o mercúrio que vai parar lá ficará soterrado por muitos milhões de anos. As placas tectônicas levarão esses sedimentos para o manto superior da Terra”.

“Mas mesmo enquanto o mercúrio está sendo removido da biosfera, continua sendo bastante alarmante a quantidade de mercúrio que foi parar nas fossas oceânicas. Isso pode ser um indicador da saúde geral de nossos oceanos.”

O coautor Dr. Peter Outridge, um cientista pesquisador da Natural Resources Canada e principal autor da Avaliação Global de Mercúrio das Nações Unidas, disse: “Os resultados desta pesquisa ajudam a preencher uma lacuna de conhecimento fundamental no ciclo do mercúrio, ou seja, a taxa real da remoção de mercúrio do meio ambiente global para os sedimentos do fundo do oceano. ” Ele acrescentou: “Nós mostramos que os sedimentos nas fossas oceânicas são ‘hotspots’ de acumulação de mercúrio, com taxas de acumulação de mercúrio muitas vezes mais altas do que se acreditava estar presente anteriormente.”

O coautor Ronnie Glud, professor e diretor do Centro Hadal da Universidade do Sul da Dinamarca, que foi o líder científico desta expedição multinacional às fossas oceânicas, disse: “Este artigo exige uma amostragem adicional extensa do oceano profundo e, em particular, trincheiras de hadal para apoiar este trabalho preliminar. Em última análise, isso irá melhorar a precisão dos modelos ambientais de mercúrio e o gerenciamento da poluição global por mercúrio. ”

Referência:

Sanei, H., Outridge, P.M., Oguri, K. et al. High mercury accumulation in deep-ocean hadal sediments. Sci Rep 11, 10970 (2021). https://doi.org/10.1038/s41598-021-90459-1 

 

Henrique Cortez, tradução e edição, a partir de original da Aarhus University

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/05/2021

segunda-feira, 8 de março de 2021

NÚCLEO INTERNO DA TERRA - DESCOBERTAS RECENTES

Núcleo interno da Terra pode ser, na verdade, dois em um


Para quem se lembra das aulas de geografia na escola, a Terra é dividida em camadas: a mais externa é a atmosfera, seguida de crosta, manto, núcleo externo e núcleo interno.
Pesquisadores da Universidade Nacional da Austrália (ANU) anunciaram agora que essa estrutura vai precisar ser corrigida, frente aos indícios de que, no interior do planeta, haveria um terceiro núcleo. 

"Encontramos evidências que podem indicar uma mudança na estrutura do ferro no interior da Terra, o que sugere talvez dois eventos separados de resfriamento na história do planeta", disse autora principal do estudo, a sismóloga e geofísica matemática Joanne Stephenson. 

Shutterstock/Reprodução



Em 2015, uma equipe de pesquisadores das universidade de Illinois (EUA) e Nanjing (China) analisou ecos de terremotos e descobriu que os cristais de ferro do centro e os da parte externa do núcleo interno têm estruturas muito diferentes: enquanto os do interior (ocupando cerca de metade do diâmetro da estrutura) apontam na direção leste-oeste, aqueles no limite com o núcleo externo estavam alinhados norte-sul.

Não apenas o arranjo geológico é diferente: o comportamento das duas partes que compõem o núcleo interno também não é igual – o que os pesquisadores consideraram uma evidência de que o material também não é o mesmo. 

Mudanças drásticas 

"O fato de termos duas regiões distintas pode nos dizer algo sobre como o núcleo interno está evoluindo. Ao longo da história da Terra, ele pode ter sofrido mudanças drásticas ao se formar, e esse processo seria a chave de como o planeta evoluiu", disse à época, em comunicado, um dos autores do estudo, o geólogo Xiaodong Song. 

A mudança durante a formação do núcleo terrestre, há 4,6 milhões de anos, foi um período turbulento e que deixou marcas profundas no interior do planeta, conforme revelou o estudo de 2015. 




"Os pesquisadores notaram diferenças na forma como as ondas sísmicas viajam pelas partes externas do núcleo interno e seu interior, mas nunca antes fora sugerido que o alinhamento do ferro cristalino que compõe esta região é completamente torto, em comparação com as partes externas", disse o geólogo Simon Redfern, da Universidade de Cambridge, em entrevista à BBC News. 

Para o cientista, que não participou do estudo, “se isso for verdade, implicaria que algo muito substancial aconteceu para inverter a orientação do núcleo, modificando o alinhamento dos cristais de ferro para o sentido norte-sul". Ele acrescentou que o estudo é fundamental para entender o que acontecerá com o planeta em bilhões de anos, já que o núcleo da Terra está crescendo a uma taxa de 0,05 mm ao ano. 

Terremotos e IA 

O próximo passo foi conseguir evidências da diferenciação do núcleo interno pelos cientistas da ANU, envolvidos em uma pesquisa que trata especificamente do interior da Terra. Em 2018, o grupo voltou às ondas sísmicas e comprovou que o núcleo terrestre é sólido e, ao mesmo tempo, mais macio do que se imaginava, o que significa que ele pode se deformar mais facilmente. 

O eco de ondas sísmicas tem sido usado para investigar o núcleo da Terra.
Fonte:  Indiana University Bloomington/Reprodução

Ecos de terremotos também foram empregados na pesquisa de Stephenson, com uma ajuda a mais: “A ideia de outra camada distinta foi proposta há décadas, mas todas as pesquisas em relação a isso sempre retornaram dados não eram muito claros. Conseguimos contornar isso usando um algoritmo de busca muito inteligente, treinado para vasculhar milhares de modelos do núcleo interno”, disse ela. 

Apesar das evidências, ainda não se sabe o que causou essa separação nas entranhas do planeta. "Os detalhes deste grande evento ainda são um pouco misteriosos, mas adicionamos outra peça do quebra-cabeça quando se trata de nosso conhecimento do núcleo interno da Terra."

Publicado por TECMUNDO

Autora: Júlia Marinho, em Tecmundo. Material reproduzido de: https://www.tecmundo.com.br/ciencia/212235-nucleo-interno-terra-verdade-dois.htm

quinta-feira, 4 de março de 2021

ZELÂNDIA - O OITAVO CONTINENTE

 O continente perdido que levou 375 anos para ser descoberto

  • Zaria Gorvett
  • BBC Future
Vista da Zelândia do mar
Legenda da foto,

O oitavo continente do mundo, cuja descoberta foi anunciada em 2017, sempre esteve escondido à vista de todos

O ano era 1642, e Abel Tasman estava em uma missão. O experiente marinheiro holandês, que ostentava um bigode extravagante, cavanhaque espesso e uma inclinação a fazer justiça com as próprias mãos — mais tarde, ele tentaria enforcar alguns de seus tripulantes em um desvario de embriaguez — estava confiante da existência de um vasto continente no hemisfério sul e determinado a encontrá-lo.

Na época, esta parte do globo ainda era um tanto desconhecida para os europeus, mas eles tinham uma crença inabalável de que deveria haver uma enorme massa de terra ali — preventivamente chamada de Terra Australis — para contrabalançar seu próprio continente ao norte. A hipótese datava dos tempos da Roma Antiga, mas só agora seria testada.

E assim, em 14 de agosto, Tasman zarpou da base de sua companhia em Jacarta, na Indonésia, com duas embarcações pequenas e rumou para o oeste, depois para o sul, em seguida para o leste, terminando na Ilha Sul da Nova Zelândia.

Mas seu primeiro encontro com o povo maori local não foi nada bom: no segundo dia, vários remaram em uma canoa e colidiram com um pequeno barco que transmitia mensagens entre as embarcações holandesas. Quatro europeus morreram.

Na sequência, os europeus dispararam um canhão contra 11 canoas — não se sabe o que aconteceu com seus alvos.

E esse foi o fim de sua missão — Tasman chamou o local fatídico de Moordenaers Bay ("Baía dos Assassinos"), com pouco senso de ironia, e voltou para casa várias semanas depois, sem sequer ter posto os pés na nova terra.

Embora acreditasse ter realmente descoberto o grande continente do sul, evidentemente, estava longe de ser a utopia comercial que ele havia vislumbrado. E ele não voltou mais.

(Naquela época, a Austrália já era conhecida, mas os europeus achavam que não era o lendário continente que procuravam. Mais tarde, quando mudaram de ideia, recebeu o nome de Terra Australis).

Selo com imagem de Abel Tasman
Legenda da foto,

Abel Tasman possivelmente encontrou o grande continente do sul, embora não tenha percebido que 94% dele estava debaixo d'água

Mal sabia Tasman que ele estava certo o tempo todo. Estava faltando um continente.

Em 2017, um grupo de geólogos ganhou as manchetes dos jornais ao anunciar a descoberta da Zelândia — Te Riu-a-Māui, na língua maori. Um vasto continente de 4,9 milhões de quilômetros quadrados, cerca de seis vezes o tamanho de Madagascar.

Embora as enciclopédias, mapas e mecanismos de busca do mundo estivessem convencidos quanto à existência de apenas sete continentes, a equipe informou com segurança ao mundo que isso estava errado.

No fim das contas, são oito continentes — e o último a ser incluído na lista quebra todos os recordes, como o menor, o mais fino e o mais jovem do mundo.

A questão é que 94% dele está submerso, com apenas um punhado de ilhas, como a Nova Zelândia, emergindo de suas profundezas oceânicas. Ele ficou escondido à vista de todos o tempo todo.

"Este é um exemplo de como algo muito óbvio pode demorar um pouco para ser descoberto", diz Andy Tulloch, geólogo do instituto de pesquisa da coroa neozelandesa GNS Science, que fez parte da equipe que descobriu a Zelândia.

Mas isso é apenas o começo. Quatro anos depois, o continente segue cercado de mistério, seus segredos estão cuidadosamente guardados a 2 km embaixo d'água. Como foi formado? Quem costumava morar lá? E há quanto tempo está submerso?

Uma descoberta trabalhosa

Na verdade, a Zelândia sempre foi difícil de estudar.

Mais de um século depois que Tasman descobriu a Nova Zelândia em 1642, o cartógrafo britânico James Cook foi enviado em uma viagem científica ao hemisfério sul.

Ilustração das embarcações de Abel Tasman deixando a Nova Zelândia
Legenda da foto,

As embarcações de Tasman deixaram a Nova Zelândia após um encontro sangrento com o povo maori — mas ele acreditava ter encontrado o lendário continente do sul

Suas instruções oficiais eram observar a passagem de Vênus entre a Terra e o Sol, a fim de calcular a que distância o Sol está.

Mas ele também carregava consigo um envelope lacrado, que foi instruído a abrir quando tivesse concluído a primeira tarefa. Dentro do envelope, havia uma missão ultrassecreta para descobrir o continente do sul — pelo qual ele provavelmente passou direto, antes de chegar à Nova Zelândia.

As primeiras pistas reais da existência da Zelândia foram reunidas pelo naturalista escocês Sir James Hector, que participou de uma viagem para pesquisar uma série de ilhas na costa sul da Nova Zelândia em 1895.

Depois de estudar sua geologia, ele concluiu que a Nova Zelândia é "o resquício de uma cadeia de montanhas que formava a crista de uma grande área continental que se estendia ao sul e a leste, e que agora está submersa ...".

Apesar dessa descoberta inicial, o reconhecimento de uma possível Zelândia permaneceu obscuro, e muito pouco aconteceu até a década de 1960.

"As coisas acontecem muito lentamente neste campo", diz Nick Mortimer, geólogo do GNS Science que liderou o estudo de 2017.

Então, na década de 1960, os geólogos finalmente chegaram a um consenso sobre a definição do que é um continente — de modo geral, uma área geológica com uma grande elevação, grande variedade de rochas e uma crosta espessa. Também tem que ser grande.

"Não pode ser simplesmente um pedacinho", diz Mortimer.

Isso deu aos geólogos algo com que trabalhar — se eles pudessem coletar evidências, poderiam provar que o oitavo continente era real.

Ainda assim, a missão não andou — descobrir um continente é complicado e caro, e Mortimer aponta que não havia urgência.

Então, em 1995, o geofísico americano Bruce Luyendyk descreveu novamente a região como um continente e sugeriu chamá-lo de Zelândia. A partir daí, Tulloch descreve sua descoberta como uma curva exponencial.

Por volta da mesma época, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar entrou em vigor e, finalmente, forneceu uma motivação séria.

O tratado afirma que os países podem estender seus territórios legais além de sua Zona Econômica Exclusiva, até 370 km de seus litorais, para reivindicar sua "plataforma continental estendida" — com todas as riquezas minerais e petróleo que ela abrange.

Se a Nova Zelândia pudesse provar que fazia parte de um continente maior, poderia aumentar seu território em seis vezes. De repente, surgiu uma abundância de fundos para viagens de levantamento da área, e as evidências se acumularam gradualmente.

A cada amostra de rocha coletada, o caso da Zelândia se fortalecia.

A evidência final veio de dados de satélite, que podem ser usados para rastrear pequenas variações na gravidade da Terra em diferentes partes da crosta para mapear o fundo do mar. Com esta tecnologia, a Zelândia é claramente visível como uma massa disforme quase tão grande quanto a Austrália.

Quando o continente foi finalmente revelado ao mundo, foi desvendado um dos territórios marítimos mais significativos do planeta.

"É bem legal", diz Mortimer. "Se você pensar sobre isso, cada continente do planeta tem diferentes países, [mas] existem apenas três territórios na Zelândia."

Além da Nova Zelândia, o continente abrange a ilha da Nova Caledônia — território francês famoso por suas lagoas deslumbrantes — e os minúsculos territórios australianos da Ilha de Lord Howe e da Pirâmide de Ball.

Esta última foi descrita por um explorador do século 18 como aparentando ser "não maior do que um barco".

Imagem de satélite da Zelândia
Legenda da foto,

As imagens de satélite podem ser usadas ​​para visualizar o continente da Zelândia, que aparece como um triângulo azul claro de cabeça para baixo a leste da Austrália

Uma extensão misteriosa

A Zelândia era originalmente parte do antigo supercontinente de Gondwana, que foi formado há cerca de 550 milhões de anos e basicamente agrupava todas as terras do hemisfério sul.

Ele ficava num canto na parte leste, onde fazia fronteira com vários outros, incluindo metade da Antártida Ocidental e todo o leste da Austrália.

Então, há cerca de 105 milhões de anos, "devido a um processo que ainda não entendemos completamente, a Zelândia começou a se afastar", diz Tulloch.

A crosta continental tem geralmente cerca de 40 km de profundidade —significativamente mais espessa que a crosta oceânica, que tende a ter aproximadamente 10 km.

À medida que foi tensionada, a Zelândia acabou sendo tão esticada que sua crosta agora se estende apenas 20 km para baixo. Por fim, o continente fino como uma lâmina afundou — embora não exatamente ao nível da crosta oceânica normal — e desapareceu embaixo d'água.

Apesar de ser fino e submerso, os geólogos sabem que a Zelândia é um continente por causa dos tipos de rochas encontradas lá.

A crosta continental costuma ser composta de rochas ígneas, metamórficas e sedimentares — como granito, xisto e calcário, enquanto o fundo do oceano é geralmente feito apenas de rochas ígneas, como o basalto.

Mas ainda existem muitas incógnitas. As origens incomuns do oitavo continente o tornam particularmente intrigante para os geólogos.

Por exemplo, ainda não está claro como a Zelândia conseguiu ficar junta sendo tão fina e não se desintegrou em minúsculos microcontinentes.

Outro mistério é exatamente quando a Zelândia acabou submersa — e se alguma vez, de fato, consistiu de terra firme.

Floresta de Dorrigo na Austrália
Legenda da foto,

Quando o supercontinente de Gondwana se separou, fragmentos se espalharam por todo o globo — muitas de suas plantas antigas ainda vivem na floresta australiana de Dorrigo

As partes que estão atualmente acima do nível do mar são cristas que se formaram quando as placas tectônicas do Pacífico e da Austrália se encontraram.

Tulloch diz que não há consenso em relação a se o continente esteve sempre submerso, exceto por algumas pequenas ilhas, ou se alguma vez foi composto apenas por terra firme.

Isso também levanta a questão sobre quem vivia lá.

Com seu clima ameno e 101 milhões de quilômetros quadrados, Gondwana era o lar de uma vasta variedade de flora e fauna, incluindo os primeiros animais quadrúpedes terrestres e, mais tarde, dos maiores que já existiram — os titanossauros.

Será então que as rochas da Zelândia podem estar cravejadas com seus restos mortais preservados?

Debate sobre dinossauros

Animais terrestres fossilizados são raros no hemisfério sul, mas os restos mortais de vários foram encontrados na Nova Zelândia na década de 1990, incluindo a costela de um dinossauro gigante de cauda e pescoço longos (saurópode), de um dinossauro herbívoro bicudo (hipsilofodonte) e de um dinossauro "blindado" (anquilossauro).

Ilustração do esqueleto do pássaro-elefante
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O pássaro-elefante tinha 3m de altura — e fragmentos da casca dos seus ovos estão espalhados pelas praias até hoje

Em 2006, o osso da pata de um carnívoro gigante, possivelmente uma espécie de alossauro, foi descoberto nas Ilhas Chatham, a cerca de 800 km a leste da Ilha Sul. Essencialmente, todos os fósseis datam de depois que o continente da Zelândia se separou de Gondwana.

No entanto, isso não significa necessariamente que havia dinossauros perambulando pela maior parte da Zelândia — essas ilhas podem ter sido santuários, enquanto o resto estava submerso, como agora.

"Há um longo debate sobre isso, se é possível ter animais terrestres sem terra contínua — e se, sem isso, eles teriam sido extintos", diz Sutherland.

A trama se complica ainda mais com um dos mais estranhos e amados habitantes da Nova Zelândia, o kiwi — um pássaro atarracado e incapaz de voar com uma espécie de bigode e penas semelhantes a cabelos.

Curiosamente, acredita-se que seu parente mais próximo não seja o moa, que faz parte do mesmo grupo de aves — as ratites — e viveu na mesma ilha até sua extinção há 500 anos, mas sim o ainda mais colossal pássaro-elefante, que espreitava as florestas de Madagascar até 800 anos atrás.

A descoberta levou os cientistas a acreditar que ambas as aves evoluíram de um ancestral comum que vivia em Gondwana.

Demorou 130 milhões de anos para ele se separar totalmente, mas quando isso aconteceu, deixou para trás fragmentos que já foram espalhados por todo o globo, formando a América do Sul, África, Madagascar, Antártida, Austrália, Península Arábica, o Subcontinente Indiano e Zelândia.

Isso sugere, por sua vez, que pelo menos parte da agora submersa Zelândia permaneceu acima do nível do mar o tempo todo.

Exceto por volta de 25 milhões de anos atrás, acredita-se que todo o continente — possivelmente até mesmo toda a Nova Zelândia — estivesse debaixo d'água.

"Pensava-se que todas as plantas e animais haviam colonizado depois", diz Sutherland.

Mas então o que aconteceu?

Ave kiwi
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O parente mais próximo do enigmático pássaro kiwi vem de Madagascar

Embora não seja possível coletar fósseis diretamente do fundo do mar da Zelândia, os cientistas estão prospectando suas profundezas com perfurações.

"Na verdade, os fósseis mais úteis e distintivos são aqueles que se formam em mares muito rasos", diz Sutherland.

"Porque eles deixam um registro — existem zilhões e zilhões de fósseis minúsculos, bem minúsculos, que são bastante distintivos."

Em 2017, uma equipe realizou os levantamentos mais extensos da região feitos até agora e perfurou mais de 1.250 m no fundo do mar em seis locais diferentes

Os núcleos que coletaram continham pólen de plantas terrestres, assim como esporos e conchas de organismos que viviam em mares rasos e quentes.

"Se você tem água, 10 metros de profundidade ou algo assim, então há uma boa chance de que houvesse terra ao redor também", diz Sutherland, explicando que o pólen e os esporos também indicam a possibilidade de que Zelândia não estivesse tão submersa quanto se pensava.

Uma torção (literal)

Outro mistério remanescente diz respeito à forma da Zelândia.

"Se você olhar um mapa geológico da Nova Zelândia, há duas coisas que realmente se destacam", diz Sutherland. Uma delas é a Falha Alpina, no limite da placa que percorre a Ilha Sul — e é tão significativa que pode ser vista do espaço.

A segunda é que a geologia da Nova Zelândia — assim como a do continente mais amplo — é estranhamente curvada. Ambos são divididos em dois por uma linha horizontal, que é onde as placas tectônicas do Pacífico e da Austrália se encontram.

Mapa mostra Zelândia
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A faixa vermelha de rochas — o Batólito Mediano — deveria percorrer a Zelândia em uma linha diagonal, mas em vez disso foi distorcida

Neste ponto exato, parece que alguém pegou a metade inferior e retorceu, de modo que não apenas as faixas de rocha anteriormente contínuas não estão mais alinhadas, mas estão praticamente em ângulos retos.

Uma explicação fácil para isso é que as placas tectônicas se moveram e de alguma maneira deformaram seu formato. Mas exatamente como ou quando isso aconteceu ainda está totalmente em aberto.

"Há várias interpretações, mas isso é uma grande incógnita", diz Tulloch.

Sutherland explica que é improvável que o continente revele todos os seus segredos num futuro próximo.

"É muito difícil fazer descobertas quando tudo está a 2 km debaixo d'água, e as camadas que você precisa analisar também estão a 500m abaixo do leito oceânico", diz ele.

"É realmente desafiador sair e explorar um continente como esse. Então, é preciso muito tempo, dinheiro e esforço para embarcar e pesquisar as regiões."

No mínimo, o oitavo continente do mundo certamente nos mostra que — quase 400 anos após a busca de Tasman — ainda há muito a ser descoberto.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.