Estruturas
rúpteis como juntas e falhas são encontradas em quase toda a superfície da
Terra sólida. A deformação rúptil é a marca registrada da deformação na crosta
superior, ocorrendo em áreas onde os esforços se acumulam em níveis que excedem
o limite local de resistência à ruptura da crosta. As estruturas rúpteis podem
formar-se de modo suave, por desenterramento e resfriamento das rochas, ou de
modo lento, durante os terremotos. Em ambos os casos, a deformação rúptil
causada pelo fraturamento implica um rompimento instantâneo das estruturas
cristalinas na escala atômica, e esse tipo de deformação tende a ser não apenas
mais rápido, mas também mais localizado que a deformação plástica. As
estruturas rúpteis podem ser estudadas com relativa facilidade em laboratório,
e a união de dados experimentais com observações de campo e de lâminas
petrográficas constitui a base do nosso conhecimento atual sobre a deformação
rúptil.
1 Mecanismos de deformação rúptil
Assim que o
esforço diferencial excede certo limite em rochas não fraturadas, a rocha pode
acumular uma deformação permanente por fluxo plástico, como visto no Cap. 6. No
regime friccionaI ou regime rúptil, entretanto, a rocha irá se deformar por
fraturamento quando sua resistência à ruptura for excedida. Durante a
deformação rúptil, os grãos são moídos e reorganizados, e a deformação torna-se
mais localizada.
O REGIME
RÚPTIL É AQUELE EM QUE AS CONDIÇÕES FÍSICAS PROMOVEM MECANISMOS DE DEFORMAÇÃO
RÚPTIL, TAIS COMO DESLIZAMENTO FRICCIONAL AO LONGO DE CONTATOS DE GRÃOS E
ROTAÇÃO E FRATURA DE GRÃOS.
Em alguns
casos, é importante caracterizar a quantidade de fraturas em uma rocha
deformada e distinguir a deformação rúptil que envolve fraturas daquela que não
as envolve. A deformação friccionaI sem a geração de fraturas ocorre
tipicamente em rochas porosas fracamente consolidadas e em sedimentos (solos).
Nessas rochas e sedimentos, o deslizamento friccionaI ocorre ao longo dos
limites existentes de grãos, e o espaço dos poros permite que os grãos se movam
em relação aos grãos vizinhos, como mostrado na Fig. 7.1A. Dessa forma, os
grãos acomodam o deslizamento friccionaI em suas bordas por translação e
rotação, mecanismo denominado fluxo particulado ou fluxo granular. Como sempre
ocorre no regime rúptil, o deslizamento nas bordas de grãos é influenciado pela
fricção e, portanto, o mecanismo é denominado deslizamento friccionaI. Assim,
uma certa resistência ao deslizamento, controlada pela fricção, deve ser
superada para que o deslizamento friccionaI ocorra. Isso não deve ser
confundido com o deslizamento não friccionaI que ocorre nos limites de grãos
em regime plástico (Cap. 10).
O ângulo de
repouso em uma areia inconsolidada é controlado pela fricção entre os grãos
individuais de areia. Quanto maior a fricção, maior o ângulo de repouso.
Nesse caso, a gravidade exerce um esforço vertical nas áreas de contato entre
os grãos, e o esforço de cisalhamento irá depender da orientação das
superfícies, como discutido no Cap. 4.
O
deslizamento friccionaI de grãos pode ser amplamente distribuído pelo volume
da rocha, mas também pode localizar-se em zonas ou bandas de espessura
milimétrica a decimétrica. O fluxo granular resulta em uma zona de
cisalhamento dúctil onde a laminação pode ser traçada continuamente de um lado
a outro da zona. Esse é um tipo de zona de cisalhamento dúctil governado por
mecanismos de deformação rúptil.
Em outros
casos, há a formação de novas fraturas durante a deformação. Isso sempre
acontece na deformação rúptil permanente de rochas não porosas, mas também
pode afetar rochas porosas se o esforço nas áreas de contato entre os grãos for
suficientemente alto. Nas rochas porosas, as fraturas intragranulares são
frequentes (Fig. 7.2A). As fraturas intergranulares são fraturas que se
estendem por diversos grãos (Fig. 7.2B) e que caracterizam rochas não porosas
ou pouco porosas deformadas em regime rúptil. A fratura e o esmagamento de
grãos, associados ao deslizamento friccionaI ao longo de contatos entre grãos e
à rotação de grãos, são denominados catáclase. Intensa catáclase ocorre em
zonas delgadas ao longo de superfícies ou de falhas de deslizamento onde
acontece uma extrema redução do tamanho dos grãos. Uma deformação cataclástica
moderada pode ocorrer em zonas mais largas de cisalhamento rúptil ou
cataclástico. Nesse caso, os fragmentos resultantes do esmagamento dos grãos
fluem durante o cisalhamento, processo denominado fluxo cataclástico (Fig.
7.1B).
Um
esmagamento proeminente, mas sem evidências de deslocamento por cisalhamento,
também pode ocorrer, e é denominado pulverização. O processo de pulverização
não é muito bem compreendido, mas parece estar relacionado a taxas muito altas
de deformação (> 100 s-1) durante fortes terremotos, que
produzem taxas de ruptura muito elevadas.
2 Tipos de fraturas
2.1 O que é uma fratura?
No senso
estrito, uma fratura é qualquer descontinuidade plana ou subplana, delgada em
uma direção em comparação às outras duas e formada por esforço externo (p. ex.,
tectônico) ou interno (térmico ou residual). As fraturas representam
descontinuidades nas propriedades mecânicas e deslocamentos físicos nos locais
onde as rochas são rompidas, e a redução ou a perda de coesão caracterizam a
maioria das fraturas. Elas são sempre descritas como superfícies, mas,
dependendo da escala de observação, há sempre uma espessura a ser considerada.
As fraturas podem ser divididas em fraturas de cisalhamento (superfícies de
deslizamento) e fraturas abertas ou de extensão (juntas. fissuras e veios),
como ilustrado nas Figs. 7.3 e 7.4. Podem ser definidas, ainda, fraturas de
fechamento ou de contração.
AS FRATURAS
SÃO ZONAS BASTANTE DELGADAS, EM GERAL CONSIDERADAS COMO SUPERFÍCIES, E ESTÃO
RELACIONADAS A DESCONTINUIDADES NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS (RESISTÊNCIA OU
RIGIDEZ) E A DESLOCAMENTOS.
Uma fratura
de cisalhamento ou superfície de deslizamento é uma fratura ao longo da qual há
um movimento relativo, paralelo à fratura. O termo fratura de cisalhamento é,
em geral, usado para fraturas com deslocamento pequeno (escala de mm a dm), ao
passo que o termo falha é comumente aplicado a descontinuidades com rejeito
maior. O termo superfície de deslizamento é usado para fraturas com movimentos
paralelos à fratura, independentemente da magnitude de deslocamento, e é
compatível com o uso tradicional do termo falha. As fraturas são comumente
referidas como cracks na literatura em língua inglesa a respeito da Mecânica
das Rochas e ciência dos materiais.
As fraturas
extensionais são aquelas que apresentam extensão perpendicular às paredes. As
juntas apresentam pouco ou nenhum deslocamento visível a olho nu, mas um exame
detalhado revela que a maioria das juntas possui pequenos deslocamentos
extensionais através de suas superfícies e, portanto, são classificadas como fraturas
extensionais verdadeiras. As fraturas extensionais são preenchidas por gás,
fluidos, magma ou minerais. Quando são preenchidas por ar ou outro fluido, usamos
o termo fissura. As fraturas extensionais preenchidas por minerais são
denominadas veios, ao passo que as preenchidas por magma são classificadas
como diques. Juntas, veios e fissuras são tipos de fraturas extensionais.
As feições
planas contracionais apresentam deslocamentos por contração e são preenchidas
com materiais residuais (não mobilizados) da rocha encaixante. Os estilólitos
são estruturas de compactação com superfícies muito irregulares em vez de
planas. Alguns geólogos consideram os estilólitos como fraturas de contração ou de fechamento,
porque constituem claramente um dos três membros extremos no contexto das
fraturas cinemáticas, juntamente com as fraturas extensionais e de
cisalhamento. Essas estruturas são conhecidas, na literatura de Engenharia em
língua inglesa, como anticracks.
Os
experimentos de Mecânica das Rochas, desenvolvidos sob esforços diferenciais e
pressões confinantes variadas, são um modo adequado de estudar diversos
aspectos da formação de fraturas (Fig. 7.5), e vamos nos referir à deformação
experimental de rochas em várias passagens deste capítulo (ver Boxe 7.1). De
modo similar, a modelagem numérica contribui significativamente para o
conhecimento do crescimento das fraturas, particularmente no campo conhecido
como mecânica linear de fraturas elásticas. No campo da mecânica de fraturas é
comum a classificação das fraturas em três diferentes modos (Fig. 7.6). O modo
I é o modo de abertura (extensional), onde o deslocamento é perpendicular às
paredes da fratura. O modo II (modo de deslizamento) representa o deslizamento
(cisalhamento) perpendicular à borda, e o modo III (modo de rasgamento ou
tearing mode) refere-se ao deslizamento paralelo à borda da fratura. Os modos II
e III ocorrem em diferentes partes de uma mesma fratura de cisalhamento e,
portanto, pode haver problemas quando nos referimos às fraturas desses modos
como fraturas individuais. As combinações de fraturas de cisalhamento (modo II
ou III) e de tensão (modo I) são denominadas fraturas híbridas. Adicionalmente,
o modo IV (modo de fechamento) pode ser usado nos casos de feições
contracionais, como os estilólitos. O modo de deslocamento nas fraturas é um
parâmetro importante em alguns casos, como quando, por exemplo, o fluxo de
fluidos pela rocha for um aspecto relevante.
2.2 Fraturas extensionais e tracionais
As fraturas
extensionais desenvolvem-se idealmente de modo perpendicular a σ3
e, portanto, contêm os esforços principais máximo e intermediário (2θ = 0°).
Em relação à deformação, elas se desenvolvem de modo perpendicular à direção de
estiramento sob condições de tração (Fig. 7.5A), e de modo paralelo ao eixo de
compressão durante os testes de compressão (Fig. 7.5B). Devido à pequena
deformação associada à maioria das fraturas extensionais, os eixos de esforços
e de deformação são relativamente coincidentes.
As juntas
são o tipo mais comum de fratura de extensão na ou próximo à superfície da
Terra, e caracterizam-se por pequenas magnitudes de deformação. As fissuras
são fraturas extensionais mais abertas que as juntas, características de
profundidades de até poucas centenas de metros na crosta sólida e que podem
estender-se por vários quilômetros (Fig. 7.7).
As fraturas
extensionais são típicas de deformação sob baixa ou nenhuma pressão
confinante, e formam-se sob pequeno esforço diferencial. Se as fraturas
extensionais se formam em condições em que pelo menos um dos eixos de esforços
é extensional, então essas estruturas são verdadeiras fraturas tensionais
(tensile fractures). Tais condições são, em geral, encontradas próximo à superfície,
onde valores negativos de σ3 são mais comuns. Elas também podem
ocorrer em regiões mais profundas, na litosfera, onde a alta pressão de fluidos
pode reduzir o esforço efetivo (seção 7.6). Muitas outras juntas estão
relacionadas ao alívio de carga e ao resfriamento de rochas.
2.3 Fraturas de cisalhamento
As fraturas
de cisalhamento apresentam deslizamento paralelo ao plano de fratura e
desenvolvem-se tipicamente em um ângulo de 20° a 30° em relação a σ1,
como demonstrado em experimentos sob pressão confinante (Fig. 7.5D,E). Esses
experimentos mostram que as fraturas tendem a formar-se em pares conjugados,
cuja bissetriz é σ1. As fraturas de cisalhamento desenvolvem-se em
condições de temperatura e pressão correspondentes à parte superior da crosta.
Elas também podem se formar próximo à transição rúptil-dúctil, onde tendem a
crescer formando faixas mais largas ou zonas de fluxo cataclástico. Tais
fraturas de cisalhamento resultam em padrões de deformação que, em geral, são
típicos da deformação plástica (Fig. 7.5G,H).
ENQUANTO AS
FRATURAS EXTENSIONAIS SE ABREM DE MODO PERPENDICULAR A σ3, AS
FRATURAS DE CISALHAMENTO SÃO OBLÍQUAS A σ3 EM UM ÂNGULO QUE DEPENDE
PRINCIPALMENTE DAS PROPRIEDADES DA ROCHA E DO ESTADO DE ESFORÇOS.
Como
mencionado no capítulo anterior e mostrado na Fig. 7.8, as deformações rúptil
e plástica apresentam diferentes curvas de esforço-deformação: quanto mais
dúctil for a deformação, maior será a quantidade de deformação plástica acumulada
antes do início do fraturamento. Também é interessante notar a relação entre a
pressão confinante (profundidade) e o regime de deformação (contracional ou
extensional) mostrada na Fig. 7.9. Os dados experimentais indicam que a
transição rúptil-plástica ocorre em pressões mais elevadas em condições
extensionais, em comparação com as condições contracionais. A temperatura (Fig.
7.9) e a taxa de deformação também são fatores importantes, como foi discutido
nos capítulos anteriores.
7.3 Critérios
de ruptura e fratura
Vimos, no
Cap. 6, que a resposta de uma rocha aos esforços depende da magnitude dos
esforços ou da quantidade de deformação acumulada, além de fatores como
anisotropia, temperatura, taxa de deformação, fluidos dos poros e pressão confinante.
No regime rúptil, uma rocha acumula deformação elástica antes de se romper
(fraturar) em um dado nível crítico de esforço. Na transição rúptil-dúctil, há
a tendência de ocorrer uma fase intermitente de deformação plástica antes do
fraturamento rúptil; a ruptura não se propaga necessariamente através de toda a
rocha como uma fratura instantânea, mas, ao invés disso, forma-se uma zona de
cisalhamento dominada por fluxo cataclástico. Essa situação contrasta com o
regime plástico (Fig. 7.5J-L), em que a deformação é mais amplamente
distribuída e dominada pelos mecanismos de deformação plástica.
Enquanto, no
Cap. 6, enfocamos principalmente a deformação elástico-plástica, abordaremos
aqui a deformação rúptil. As questões centrais são quando e como uma rocha se
fratura. Vamos, inicialmente, analisar a primeira questão. Para uma dada rocha
sob temperatura constante e pressão confinante positiva e constante, o
fraturamento depende do esforço diferencial (σ1 - σ3) e
do esforço médio ((σ1 + σ3)/2). Se não há esforço
diferencial, o estado de esforços é litostático, e não há forças maiores
agindo em nenhuma direção em particular. A única exceção é o potencial de
colapso da porosidade em rochas muito porosas, mas para a formação de fraturas
nítidas é necessária, em geral, a presença de esforços diferenciais.
O INÍCIO DO
FRATURAMENTO REQUER A EXISTÊNCIA DE UM ESFORÇO DIFERENCIAL QUE EXCEDA A
RESISTÊNCIA DA ROCHA.
A
resistência da rocha depende da pressão confinante, ou seja, da profundidade
de soterramento. Na porção superior e rúptil da crosta, a resistência é menor
perto da superfície e aumenta conforme a profundidade. Isso pode ser
facilmente demonstrado em experimentos como o mostrado na Fig. 7.8, em que
tanto a pressão confinante como o esforço direcional axial são variados. Com
base nessa figura, podemos constatar que:
O AUMENTO DA
PRESSÃO CONFINANTE EXIGE UM AUMENTO DO ESFORÇO DIFERENCIAL PARA QUE OCORRA O
FRATURAMENTO DE UMA ROCHA.
Resumo
A deformação
rúptil tende a ser extremamente localizada e resulta em estruturas que
enfraqueceram a crosta de modo significativo. A separação de diferentes tipos
de estruturas rúpteis é importante, pois elas refletem o estado de esforços e
de deformação durante a sua formação. Além disso, os diferentes tipos de
fraturas afetam as rochas de modos diferentes em relação às suas propriedades
mecânicas, potencial de reativação e permeabilidade. Esse tipo de estudo tem
aplicações nas áreas de Engenharia, Sismologia, Hidrogeologia e Geologia de
Petróleo. A formação de fraturas e de bandas de deformação é essencial para a
formação e o crescimento de falhas, tema do próximo capítulo. Há vários pontos
importantes deste capítulo que devem ser lembrados:
•
As
fraturas se formam principalmente no regime rúptil, dominado pela mecânica
rúptil.
•
Os
mecanismos de deformação rúptil são a catáclase (fratura de grãos), a rotação
rígida de grãos e a translação por deslizamento friccionaI nas bordas de grãos
(reorganização de grãos).
•
Fraturas
extensionais, tais como juntas, podem expandir-se e tornar-se estruturas
extensionais, ao passo que as fraturas de cisalhamento não podem se expandir, a
menos que pequenas fraturas extensionais se formem à frente da extremidade da
fratura de cisalhamento e enfraqueçam a rocha. Nesse caso, as fraturas de
cisalhamento podem expandir-se pela coalescência de micro fraturas de
extensão.
•
Os
esforços concentram-se nas extremidades de fraturas, tanto grandes como
pequenas, favorecendo o seu crescimento.
•
A
alta pressão de fluidos em fraturas e poros também pode facilitar o
fraturamento e a propagação de fraturas. As fraturas extensionais formam-se na
direção perpendicular a σ3.
•
As
fraturas de cisalhamento formam-se tipicamente em ângulos de 20° a 30° com σ1.
•
Um
critério de fraturamento relaciona os esforços normal e de cisalhamento
necessários para fraturar uma rocha, ou seja, os esforços críticos normal e de
cisalhamento. O critério de Coulomb é linear, com razão constante entre os
esforços críticos normal e de cisalhamento, sendo, portanto, representado por
uma linha reta no espaço de Mohr.
•
A
resistência de rochas não deformadas, medida experimentalmente, não é
representativa da crosta rúptil, pois esta contém inúmeras estruturas de
fraqueza, como falhas e fraturas.
•
O
potencial de reativação de uma fratura depende de sua resistência friccionaI
(de atrito), da pressão de fluidos no interior da fratura e da orientação
relativa dos esforços principais. Estes também determinam o modo de reativação
(extensão ou cisalhamento).
•
Tanto
as fraturas como as bandas de deformação são importantes para a permeabilidade
das rochas deformadas, mas geralmente têm efeitos opostos: as fraturas aumentam
a porosidade e as bandas de deformação reduzem-na.
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