O mistério da origem dos oceanos terrestres
As rochas do disco que se formou ao redor do Sol primitivo continham os elementos que permitiram a existência da água na Terra. University of Copenhagen/Lars Buchhave. |
Há teorias que afirmam que não
deveríamos existir, ou pelo menos sugerem que nossa vida hoje não parecia estar nos planos iniciais. Uma
delas é a do Big Bang, que diz que na origem do universo se criou a mesma
quantidade de matéria e antimatéria. Quando uma partícula encostava em sua
antipartícula, se desintegrava, tornando impossível a acumulação de átomos que
possibilitou o mundo que conhecemos. Um fenômeno ainda sem explicação desfez esse empate e permitiu
nossa existência, mas ainda havia obstáculos a superar antes de se tornar
realidade. Outro acontecimento afortunado é que o cobriu a Terra de oceanos e a
tornou fértil à vida. Os modelos de formação do Sistema Solar
estimam que a água deveria ser escassa nos planetas mais próximos à estrela,
mas é óbvio que, pelo menos no nosso, não é assim.
Nas tentativas para explicar essa
feliz anomalia, o estudo científico sugere que há 3,9 bilhões de anos a Terra sofreu um intenso bombardeio de asteroides e cometas que
trouxeram com eles água e elementos orgânicos que, somente 400 milhões de anos
depois, permitiram que a vida aparecesse. Para se acomodar às teorias de
formação de nosso sistema planetário, se colocava que os meteoritos, conhecidos
como condritos carbonáceos, chegavam das fronteiras externas do sistema solar,
onde o calor da estrela não teria volatilizado a água como nas regiões
interiores. Agora, um trabalho publicado na revista Science aponta
outro tipo de asteroide como fonte do composto líquido essencial à vida que
conhecemos.
A hipótese de que foram
meteoritos e cometas longínquos que encheram a Terra de água requer um
complexo processo de influências gravitacionais entre os planetas gigantes e
os corpos celestes para atraí-los para cá de suas órbitas distantes. Laurette
Piani e uma equipe do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em
francês) e da Universidade de Lorena (França), tentaram justificar outra das
possibilidades propostas para explicar que este seja o planeta azul.
A Terra se formou a partir do
amálgama de materiais que se encontravam na nebulosa que deu origem ao Sistema
Solar. “Hoje sabemos que os planetas terrestres, entre eles a Terra, não se
formam subitamente, e sim com a agregação de centenas de corpos”,
diz Josep Maria Trigo, pesquisador principal do grupo de corpos menores e
meteoritos do Instituto de Ciências do Espaço (CSIC-IEEC, nas siglas em
espanhol), em Barcelona. “Os corpos que formaram a Terra se formaram a uma
distância menor do Sol e em 80 a 90% seriam condritos de enstatita [o mineral
mais abundante neles] e ordinários”, acrescenta.
No começo, por sua formação
próxima ao Sol, se pensava que nas rochas fundamentais com as quais se
construiu a Terra não existiria água suficiente para explicar sua abundância em
nosso planeta. A análise de Piani e seus colegas, entretanto, sugere que nessas
rochas primevas haveria hidrogênio suficiente para trazer à Terra até três
vezes a massa de água que hoje os oceanos contêm. Para realizar essa afirmação
com solidez, os pesquisadores mediram com precisão as concentrações e as proporções de
hidrogênio e deutério (uma versão do hidrogênio com um nêutron
acompanhando o próton) em treze meteoritos provenientes de asteroides de
enstatita. Além de comprovar que tinham quantidades suficientes de hidrogênio,
observaram que as quantidades de isótopos de hidrogênio e nitrogênio coincidem
com as do manto terrestre.
Os autores reconhecem que não
podem calcular quando ocorreu a chegada desses asteroides portadores dos
elementos necessários para a aparição da água terrestre, mas estimam que
ocorreu em um período suficientemente tardio da formação da Terra. Jesús
Martínez Frías, pesquisador do CSIC e diretor da Rede Espanhola de Planetologia
e Astrobiologia, diz que se o bombardeio ocorresse muito cedo, antes de 3,8
bilhões de anos, a água teria se evaporado. “O bombardeio posterior à
acumulação dos primeiros planetesimais destruiu a crosta primitiva, o vapor de água e outros gases escaparam e formaram a atmosfera e a água
da Terra”, afirma. “Além disso, se misturou com outros fluidos
procedentes do subsolo através do vulcanismo e todas essas emissões voláteis
enriqueceram essa atmosfera primitiva”, acrescenta.
O fato de que a maior parte da
água terrestre venha desses condritos da região do
Sistema Solar próximo à Terra não descarta a função cumprida
pelos que vieram das áreas mais frias e longínquas. “As enstatitas foram
importantes para criar condições de habitabilidade trazendo a água, mas os
carbonáceos, que têm aminoácidos, ureia, purinas, são mais importantes para
tornar possível a origem da vida”, diz. Trigo, que considera muito relevante o
trabalho publicado agora pela Science, diz que isso pode significar
que “os condritos carbonáceos teriam fornecido uma quantidade menor, mas significativa,
de 5 a 10%, dessa água e nitrogênio [da Terra], ainda que poderiam tê-lo feito
mais tarde, fruto das contínuas colisões com outros objetos ao longo da
história da Terra”.
Para conhecer melhor essa etapa
crítica da história do planeta, será preciso viajar a asteroides para pegar amostras com as quais será
possível fazer medições ainda mais precisas que as da equipe de
Piani. Como diz Frías, quando for possível visitar asteroides com certa
regularidade cada tipo terá seu interesse: “Os asteroides metálicos são mais
interessantes para procurar recursos minerais como os metais de terras raras,
os que dão origem aos condritos carbonáceos interessam do ponto de vista da
origem da vida e as enstatitas para nos explicar como a Terra começou a ser
habitável”.
Obtido em:
https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-08-28/o-misterio-da-origem-dos-oceanos-terrestres.html
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